Por Esther Engelsma
Quando sento no chão com meus filhos no colo e abro o livro infantil Madeline, as primeiras palavras que lemos são: "Em uma velha casa..." Sem nem precisar olhar para a página, lembro-me das próximas palavras, "em Paris que estava coberta de videiras".[1] Na verdade, nem preciso abrir o livro para trazer essas palavras à mente. Mesmo enquanto sento aqui e digito "em uma velha casa" não posso deixar de preencher o resto da frase. Antes de ser mãe, uma velha casa poderia me fazer pensar em vendas de imóveis e pisos clássicos de madeira, mas não teria desencadeado pensamentos de Paris e videiras. Isso porque até aquele momento, não tinha lido Madeline muitas vezes.
Todas nós experimentamos isso de maneiras diferentes. Uma música ou um cheiro ou uma estrofe de poesia desencadeia uma memória específica ou alguma informação. Em uma etapa diferente da vida, a mesma música ou cheiro ou estrofe teria desencadeado algo diferente, ou até mesmo nada. A experiência que entra é a mesma, mas por causa de uma mudança na forma como nossas mentes pensam, o resultado é diferente. Pode-se dizer que nossas mentes foram renovadas.
Mas estes são apenas exemplos minúsculos de renovação da mente. Quando a Bíblia fala sobre a renovação de nossas mentes, significa algo muito mais grandioso e glorioso do que recordar uma estrofe de um livro infantil. Renovar a mente é o trabalho do Espírito Santo de renovar, ou mudar completamente para melhor,[2] a mente do verdadeiro cristão. Essa renovação da mente faz parte da santificação, que o Breve Catecismo de Westminster define na pergunta 35 como sendo
"a obra da livre graça de Deus, pela qual somos renovados em todo o nosso ser, segundo a imagem de Deus, e habilitados a morrer cada vez mais para o pecado e a viver para a retidão".
Se somos cristãs verdadeiras, estamos no processo de sermos santificadas, então nossas mentes devem começar a cultivar pensamentos diferentes e mais santos do que faziam antes de sermos salvas. Em outras palavras, temos uma nova maneira de pensar.
Antes que Deus salve e inicie Sua obra renovadora, Ele não está em nenhum dos pensamentos do descrente (Sl 10:4). Quando não há pensamentos de Deus — nada de glorificá-Lo, agradecê-lo, ou conhecê-Lo — então todos os pensamentos são fúteis, o coração é obscurecido, e Deus os entrega a uma disposição mental reprovável e a um modo de vida que não está de acordo com Sua palavra (Rm 1:21, 28). Este foi frequentemente o caso com os israelitas (Sl 81:11-12) e continua sendo o caso de muitas pessoas hoje em dia. Os incrédulos estão cada vez mais conformados com este mundo (Rm 12:2) porque não estão pensando em Deus e Ele não está renovando suas mentes.
Mas (louvado seja Deus!) Ele opera nas mentes e vidas dos crentes, e uma existe uma diferença fundamental em nossos pensamentos. De acordo com David Saxton,
"O Salmo 1 distingue claramente entre o caminho daqueles que são ímpios e dos que são piedosos. A linha divisória chave é o pensamento, o raciocínio e a meditação. Isso se dá porque estes inevitavelmente ditam o comportamento de alguém”.[3]
Quando pessoas ímpias abandonam seus próprios pensamentos, caminhos e ao invés disso, buscam Deus, Ele promete que terá misericórdia e perdoará abundantemente (Is 55:6-7).
Como é essa mudança de pensamento na vida prática do dia a dia? Todos os dias nos deparamos com experiências de entrada na forma de informações e circunstâncias. À medida que o Espírito renova nossas mentes, como reagimos às informações e circunstâncias muda. Nossas mentes reagem com pensamentos diferentes e mais santos do que antes. Porque estamos pensando de uma forma diferente, nossas vidas mostram uma saída transformada de palavras, ações e sentimentos. O que antes poderia ter produzido prazer (por exemplo, fofoca ou pecado sexual) começa a produzir nojo porque estamos começando a pensar mais sobre o quanto Deus odeia o pecado e menos sobre o prazer de curta duração que poderíamos receber do pecado. O que uma vez nos levou à agitação e à busca de distração (por exemplo, uma doença ou inconveniência) começa a nos levar ao nosso Pai celestial em oração porque estamos começando a entender a alegria e os benefícios da oração e que não há alegria e benefícios em outras fontes de ajuda que buscamos no passado. O que antes nos entediava (por exemplo, a Bíblia ou a conversa cristã) começa a nos encantar porque estamos começando a valorizar mais a vida eterna e espiritual do que a vida temporal e física. A entrada é a mesma, mas nossas mentes mudaram, e também a saída — o que dizemos, fazemos e sentimos em resposta — mudou.
Isso não significa que nossa vida de pensamentos será perfeitamente santa no instante em que formos salvas — a perfeição não será nossa até chegarmos no céu (1 Jo 3:2). Também não significa que nossa vida de pensamentos será automática e passivamente santa. Como veremos ao longo deste livro, a renovação da mente acontece à medida que vivemos em obediência às Escrituras e ao Espírito Santo, o que nem sempre é fácil. Mas podemos ser muito encorajadas com a certeza da renovação porque Deus promete que Ele completa a obra que começa (Fp 1:6). Ele vai nos transformar, e vai fazê-lo pela renovação de nossas mentes (Rm 12:2).
Por Que Minha Mente Precisa Ser Renovada?
Quando Adão e Eva foram criados à imagem de Deus, tudo sobre eles (incluindo suas mentes) era muito bom. Tudo o que naturalmente pensavam, diziam, sentiam e desejavam estava alinhado com o que Deus pensava, dizia, fazia, sentia e desejava. Eles eram santos, o que o pastor do século XIX J. C. Ryle descreve como
"o hábito de ser de uma mente com Deus... odiar o que Ele odeia - amar o que Ele ama - e medir tudo neste mundo pelo padrão de Sua Palavra".[4]
Eles não precisavam lutar contra pensamentos corruptos ou desejos profanos porque tinham sido criados à Sua imagem e estavam em perfeita comunhão com Ele (Gn 1:27, 31).
Mas então algo aconteceu que quebrou esse alinhamento perfeito. Satanás entrou no jardim na forma de uma serpente e falou palavras para Eva — palavras que ela ouviu, que a fizeram começar a pensar diferente de como ela pensava antes. Enquanto ouvia a serpente, ela falou uma meia-verdade sobre o que Deus ordenou a ela e Adão. Ela começou a pensar que Deus poderia estar mentindo e que Ele estava escondendo algo bom dela (Gn 3:1-5). Uma vez que estava pensando dessa forma, ela viu que o fruto na árvore parecia bom e delicioso, e ela começou a acreditar que isso poderia torná-la sábia, como a serpente tinha dito. Tudo o que ouviu, disse, pensou e viu levou ao que ela fez em seguida — pegou a fruta, comeu a fruta e deu a fruta para Adão (v. 6).
Como a serpente havia prometido, os olhos de Adão e Eva foram realmente abertos depois que comeram o fruto, e eles conheceram o bem e o mal, mas o conhecimento não os tornou mais parecidos com Deus. Tornou-os menos parecidos com Deus. Seus olhos foram abertos à sua nudez (Gn 3:7). Suas ações levaram a sentimentos – de vergonha, medo e culpa. Eles não estavam mais em comunhão com Deus. Seu desejo era esconder-se de Deus (v. 8-13).
Adão e Eva e toda a raça humana foram transformados para sempre pelo que tinham feito. Não havia como voltarmos a ser quem fomos criados para ser — de jeito nenhum, a menos que Deus abrisse um caminho. "Mas Deus, sendo rico em misericórdia, por causa do grande amor com que nos amou" (Ef 2:4) abriu um caminho. O caminho revelou-se como uma pessoa, e Seu nome é Jesus Cristo, o Filho de Deus. Jesus nasceu como um bebê para crescer e fazer o que Adão não tinha sido capaz de fazer - viver uma vida que estava perfeitamente alinhada com Deus em tudo o que Ele pensava, dizia, fazia, sentia e desejava.
Jesus não só fornece um exemplo perfeito de como devemos pensar e viver, mas Ele também morreu na cruz, ressuscitou e subiu ao céu para prover uma maneira de sermos salvas de nossos pecados, renovadas em nossas mentes, e transformadas em nossas vidas. Deus promete que acreditar em Jesus somente para a salvação é ser salvo (At 16:31), e ser salvo é começar a desafiadora, bela e esperançosa jornada de santificação. Nela, o Espírito Santo trabalha em nossas mentes e corações à medida em que crescemos em conhecimento e obediência, para nos tornar mais parecidas com Jesus.
A santificação é uma jornada muito esperançosa porque já sabemos o final. Nós sabemos que quando finalmente vermos Jesus face a face, seremos como Ele é (1 Jo 3:2)! Nunca mais teremos que lutar contra pensamentos pecaminosos e seus trágicos resultados em nossas vidas.
Essa esperança, esse conhecimento de como nossa história termina (ou devemos dizer, como nossa história realmente começa?), é a evidência do que ainda não podemos ver com nossos olhos (Hb 11:1), a motivação para continuar correndo a corrida não importa o que acontecer (12:1) e a energia para amar os outros e amar a Deus acima de tudo (Mc 12:30-31). Um dia, em um estado de perfeição e glória, olharemos para trás e veremos as leves e momentâneas tribulações que estamos atualmente enfrentando e seremos capazes de dizer não apenas com fé, mas com olhos que enxergam claramente:
"Deus fez tudo cooperar para o nosso bem [veja Rm 8:28] e Sua glória [veja Is 43:7]"!
(O texto acima foi extraído do livro "Transformadas: Como Deus Renova Nossa Mente Para Nos Tornar Mais Como Jesus" de Esther Engelsma. Você pode comprar o livro aqui. )
[1] Ludwig Bemelmans, Madeline (Nova Iorque: Penguin, 1998), 1. [2] Strong's Concordance, s.v., "anakaínōsis", acessado em 2 de fevereiro de 2021, https:// www.blueletterbible.org/lang/lexicon/lexicon.cfm?Strongs=G342&t=NKJV. [3]David W. Saxton, God’s Battle Plan for the Mind: The Puritan Practice of Biblical Meditation (Grand Rapids: Reformation Heritage Books, 2015), 101.
[4]J. C. Ryle, Holiness: Its Nature, Hindrances, Difficulties, and Roots (Cambridge: James Clarke, 1956), 34-38.
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