Por Richard Ganz
“Quem vai a Cristo obtém vida. [...] Obtém uma vida que vale a pena. Pensamos muito na vida natural, mas a vida que vem de Cristo nos será útil quando a outra se acabar”.
Richard Cameron, um pastor escocês Covenanter, pregou estas palavras uma semana antes de ser martirizado por sua fé. Ele integra a “nuvem de testemunhas” que procederam de forma maravilhosa na santificação sem os benefícios da psicologia moderna. O que nos levou ao ponto em que nós, cristãos, sentimo-nos incapazes de lidar com os nossos problemas sem a ajuda da psicologia popular? Percebemos o quanto nos distanciamos da perspectiva verdadeiramente bíblica do homem?
Harry Blamires, na década de 1960, notou uma transição do pensamento bíblico para o secular. Ele escreveu que os cristãos eram capazes de pensar como cristãos em questões de moralidade e adoração pessoal. Mas lamentou a incapacidade da maioria dos cristãos de pensar de forma cristã sobre questões políticas, sociais e culturais. “Oramos e adoramos de forma cristã”, disse Blamires, “depois voltamos para conversar sobre política com o político, sobre bem-estar social com o sindicalista, e esvaziamos antecipadamente o cérebro do vocabulário cristão, dos conceitos cristãos, apenas para garantir que estaríamos em pleno acordo. [...] Treinamos, e até nos disciplinamos, para pensar de forma secular sobre coisas seculares”.
A perda progressiva da consciência cristã levou-nos mais profundamente ao relativismo e ao irracionalismo (basta notar o surgimento e a proliferação de filosofias e práticas de ocultismo e Nova Era).
Em nenhum lugar a perda de uma consciência cristã é mais aparente que no campo da psicologia.
Uma razão para isso é que a maioria dos psicólogos cristãos recebe uma formação inteiramente secular e são ignorantes das Escrituras. Eles raras vezes questionam a cosmovisão subjacente à área em que foram treinados. Em vez disso, adotam uma abordagem essencialmente secular e salpicam algumas ideias cristãs por cima. O resultado — percepções seculares que parecem piedosas, mas são perigosas e enganosas.
Quando os conselheiros cristãos tentam integrar os princípios bíblicos com a psicologia moderna, encontram problemas. Muitos acabam redefinindo termos bíblicos para harmonizá-los com a psicologia. Por exemplo, Gary Sweeten redefine o termo teológico santificação para significar a “mortificação da carne e desenvolvimento do novo eu ou do ‘eu pessoal’ (grifo do autor)”. A santificação (teológica) torna-se o “desenvolvimento do ‘eu pessoal’” (psicológica).
Meier e Minirth afirmam que o inconsciente e o coração são equivalentes. Eles acreditam que Jeremias 17.9 é a chave para a psiquiatria cristã. Mas entendem mal o que Jeremias quis dizer quando disse: “Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e desesperadamente corrupto. Quem poderá entendê-lo?”. Minirth e Meier escrevem: “O profeta Jeremias está dizendo que nós, humanos, não podemos sondar ou compreender quão desesperadamente pecaminoso e enganoso é nosso coração — nossos motivos inconscientes, conflitos, impulsos, emoções e pensamentos”.
Ao redefinir o coração, Minirth e Meier abrem a porta para o uso do sistema de mecanismos de defesa de Freud.
Gary Sweeten também usa o conceito não-bíblico de inconsciente. Ele se concentra no inconsciente do cristão como a sede do “resíduo” (seja lá o que isso seja) de nossa natureza adâmica e a localização de nossa própria rebelião, culpa e vergonha. O inconsciente de Sweeten tem mais em comum com o inconsciente de Freud (com seus impulsos e neuroses) que com o conceito bíblico de coração. A Bíblia ensina que “do coração flui...” e então vários comportamentos como assassinato e fornicação são enumerados (Mt 15.19). Na conversão, Deus dá à pessoa um novo coração, um coração de carne e não de pedra (Ez 11.19, 36.26 2Tm 2.22). Ela nasceu de novo, regenerada (Jo 3.3). No nível mais profundo do seu ser, ele é uma nova pessoa (2Co 5.17).
David Seamands renomeia o pecado como “dificuldades” quando escreve sobre “vários tipos de dificuldades sexuais, do incesto à prostituição”. Gary Collins expressa a atitude de muitos psicólogos cristãos quando escreve: “Até mesmo amor, esperança, compaixão, perdão, cuidado, bondade, confronto e uma série de outros conceitos são compartilhados por teólogos e psicólogos”. Collins esquece que as definições desses conceitos feitas pelos psicólogos são muito diferentes das definições bíblicas. Como tantas vezes acontece com a “integração” das Escrituras com a sabedoria humana, a sabedoria da “natureza” predomina.
Com o tempo, a natureza irá, nos expressivos termos de Francis Schaeffer, “devorar a graça”.
Ao tomar emprestado termos teológicos, os psicólogos cristãos diluíram as distinções irreconciliáveis entre as teorias de Freud (e outros tantos) e os ensinamentos da Bíblia. Muitos psicólogos cristãos acreditam que as terapias baseadas na mentalidade secular não são apenas valiosas, mas indispensáveis. Na verdade, o que aconteceu não foi a integração, mas a substituição — a substituição da Palavra de Deus pela psicologia secular. Vamos agora dar uma olhada em algumas das áreas onde ocorreu a substituição.
Mudança
O que significa mudar de modo genuíno? A mudança envolve a viagem de volta ao útero para reviver a experiência de nascimento? Resolver um complexo de Édipo? Descobrir um arquétipo de mãe funcional? Obviamente, cristãos e freudianos discordariam com veemência sobre a natureza da mudança comportamental, não é verdade? Talvez não. Infelizmente, a distinção na prática atual não é tão clara como se espera, e mais uma vez vemos o perigo sutil de “cristianizar” e incorporar conceitos seculares no que é em essência um conselho bem-intencionado derivado do evangelho.
O conselho bíblico baseia-se na suposição da existência do padrão bíblico para a mudança genuína, mas qual é o padrão bíblico? Mesmo no contexto do cristianismo contemporâneo, há confusão quanto ao lugar, propósito e direção da mudança bíblica.
No livro muito popular, Inside Out [De dentro para fora], Larry Crabb apresenta um quadro abrangente de mudança. Ele diz: “A mudança, como nosso Senhor a descreve, envolve mais que limpar nossos atos visíveis. Ele pretende que façamos mais que varrer as ruas; Ele quer que desçamos até os esgotos e façamos alguma coisa a respeito da sujeira embaixo do concreto. Ele nos orienta a entrar nas regiões escuras de nossa alma para encontrar a luz”.
É esse o significado de mudar? Deveríamos realmente “descer até os esgotos” de nossa vida para limpar “a sujeira” abaixo da superfície? Esta é uma questão extremamente importante porque as pessoas em todo o mundo, mesmo as que estão na igreja, estão à procura de formas de sair do tédio, da ansiedade, solidão, falta de sentido e do desespero de sua vida. Muitas vezes as respostas na comunidade evangélica são clichês baratos sem substância bíblica: “Basta continuar louvando ao Senhor”; “Repreenda sua ansiedade”; “Visualize-se feliz”; “Apenas continue orando”.
Crabb, para seu crédito, não faz nada do que foi dito acima ao tentar levar a miséria a sério. Mas ele não fornece uma resposta bíblica. Em vez disso, ele toma o conceito de depravação total (ele diz, por exemplo: “Nossa alma se encontra tão manchada pela autoconfiança...”) e aplica algo sobre ela.
Com gentileza, uma camada de psicanálise “com sabor de Cristo”.
Crabb apoia sua proposta de limpeza de esgotos com esta citação do Evangelho de Mateus: “Ai de vocês, escribas e fariseus, hipócritas, porque vocês limpam o exterior do copo e do prato, mas estes, por dentro, estão cheios de roubo e de glutonaria! Fariseu cego! Limpe primeiro o interior do copo, para que também o exterior fique limpo” (Mt 23.25,26).
A condenação da parte de Jesus aos fariseus pretendia servir de modelo para uma profunda investigação interior? Não. Quando Jesus chama os fariseus para “limparem o interior do copo”, Ele não se preocupa com o fato de os fariseus fazerem uma prolongada jornada interior. Seu objetivo é apenas que eles corrijam seus erros menos visíveis — a ganância e a satisfação pessoal.
Estas são atitudes internas que se manifestam em ações exteriores.
Esses homens não receberam a ordem de olhar com profundidade para dentro. Em vez disso, foi-lhes dito para viverem em retidão no âmbito das suas ações e dos seus pensamentos.
Jesus não fez uma distinção muito precisa entre pensamentos e ações. Ele disse apenas que “de pensamentos vis fluem ações vis”. Eles estão ligados de modo íntimo. A mudança real não será alcançada a partir da busca interior, exceto quando for necessário identificar pensamentos ou atitudes não reconhecidas, ou sem arrependimento, que possam nos impelir a ações malignas.
O que encontraremos na prolongada busca interior? O coração doente de desespero e corrupto, que só Deus pode sondar (Jr 17.9,10). Em vez de nos chamar para dentro, a Bíblia nos chama para longe de nós mesmos. A ideia de que a análise mais profunda trará a cura é falaciosa.
A análise mais profunda trará a alienação e a abstração mais profundas, e ambas são deploráveis.
As Escrituras nunca sugerem que o caminho para a santificação reside na sondagem terapêutica do “coração profundo”, seja lá o que isso for. O caminho bíblico de santificação reside na obediência, encorajada pela esperança, guiada pela fé, motivada pelo amor. Jesus diz apenas: “Se vocês me amam, guardarão os meus mandamentos” [Jo 14.15].
Autoestima: direito de todo cristão?
O pecado sempre foi o ponto de partida para lidar com os problemas humanos sob a perspectiva cristã.
No entanto, para muitos conselheiros cristãos contemporâneos, o conceito de pecado é considerado perigoso e ofensivo. Robert Schuller escreveu: “Não creio que nada tenha sido feito em nome de Cristo e sob a bandeira do cristianismo que tenha se mostrado mais destrutivo para a personalidade humana e, portanto, contraproducente para o empreendimento do evangelismo, do que a muitas vezes grosseira, insensível, e não-cristã estratégia de tentar tornar as pessoas conscientes de sua condição perdida e pecaminosa”. Esta é uma declaração surpreendente vinda de alguém que desfila pela tela da televisão com as sagradas Escrituras de Deus dobradas com cuidado debaixo do braço. Na verdade, o pecado se tornou uma palavra feia.
A realidade que exigiu a morte de Cristo é agora “destrutiva” para a personalidade humana.
O programa de TV Hour of Power [A Hora do Poder], de Robert Schuller, era assistido e apoiado semanalmente por milhões de pessoas, e por que não seria? Sua mensagem atinge o ponto exato de nossa natureza pecaminosa que mais coça. “Autoestima” é um slogan difícil de desafiar; parece tão bom. Quem quer ser contra isso?
Schuller chega ao ponto de designá-la “Nova Reforma”. Chega de batalhas da “velha” Reforma.
No entanto, Schuller não é o único a promover a autoestima. Outro líder respeitado, que fez um excelente trabalho ao despertar os cristãos a respeito do nosso declínio cultural, escreve: “Em um sentido real, a saúde de toda a sociedade depende da facilidade com que os membros individuais obtêm aceitação pessoal. Assim, sempre que as chaves da autoestima estão aparentemente fora do alcance de uma grande porcentagem da população, como nos Estados Unidos do século 20, então a doença mental generalizada, o neuroticismo, o ódio, o alcoolismo, o abuso de drogas, a violência e a desordem social sem dúvida ocorrerão”. Ele faz essa afirmação porque nesta situação ele está pensando de forma secular, não bíblica.
Milhões de cristãos leem autores como David Seamands. Em seu enorme sucesso Healing for Damaged Emotions [Cura para emoções avariadas], Seamands argumenta que a baixa autoestima é “a arma mais mortal de Satanás”. A ruína na vida cristã, de acordo com esta interpretação, ocorre quando “Satanás usa a mais mortal de todas as suas armas emocionais e psicológicas para trazer derrota e fracasso à sua vida”. À medida que os indivíduos leem estas palavras, sua esperança muda, talvez apenas um pouco no início, para longe do sangue de Cristo e o perdão dos pecados, em direção ao que se pode aprender com psicólogos.
Homens como Seamands têm bons argumentos.
Afirmam pregar a autoestima apenas porque ministérios como os deles já estiveram atolados na derrota.
Dizem que sabiam tudo sobre perdão e santificação e, ainda assim, permaneceram derrotados. Qualquer pessoa que dê aconselhamento por muito tempo se deparará com muitas coisas que não correspondem à Palavra. No entanto, descobri que o problema não está na suficiência das Escrituras (de modo que precisemos da psicologia atual), mas na incapacidade de absorver as lições da história da igreja e da teologia sistemática.
Aplicar a psicologia é muito mais fácil porque a natureza pecaminosa do homem está muito mais pronta para ser mimada do que confrontada.
Schuller diz que a restauração da autoestima é a Nova Reforma. Seamands designa a baixa autoestima “a arma mais mortal de Satanás”. Pessoas em todos os lugares estão sintonizadas com a autoestima. Existe até um adesivo que anuncia com coragem: “Autoestima: direito de toda criança”. O que a Bíblia diz sobre isso?
Os defensores deste evangelho do “eu” argumentam ser ela fundamental para a visão cristã do homem. Mas essa não é a opinião do apóstolo Paulo, que escreveu: “Saiba que, nos últimos dias, sobrevirão tempos difíceis. Isso porque os homens serão amantes de si mesmos, apegados ao dinheiro, arrogantes, orgulhosos, blasfemos, desobedientes aos pais, ingratos, ímpios, insensíveis, irreconciliáveis, caluniadores, sem domínio próprio, cruéis, inimigos do bem, traidores, impetuosos, soberbos, mais amantes dos prazeres do que amantes de Deus” (2Tm 3.1-4, NVI). Os cristãos hoje escrevem livros sobre autoestima e amor-próprio, mas Paulo alertou a igreja que o primeiro sinal dos “tempos difíceis” dos últimos dias consistirá no fato de as pessoas serem amantes de si mesmas.
Para ver o que Deus pensa sobre o amor-próprio, veja o que aconteceu com Nabucodonosor, o grande rei da Babilônia. Ele gabou-se de seus feitos: “Não é esta a grande Babilônia que eu construí para a casa real, com o meu grandioso poder e para glória da minha majestade?” (Dn 4.30). As palavras mal saíram de seus lábios quando Deus decretou que este homem orgulhoso e arrogante, tomado pelo amor-próprio, se tornaria um animal até reconhecer a soberania do Deus Todo-Poderoso. Nabucodonosor precisou abandonar a si mesmo e se dedicar ao serviço e à adoração do Deus vivo e verdadeiro. O amor a si mesmo se dissolveu, pela graça de Deus.
Precisamos ensinar o temor a Deus às pessoas, a rejeição do pecado e a vida de maneira piedosa.
Em vez de buscar a aprovação dos outros e de nós mesmos, precisamos buscar a aprovação de Deus, mas não para obter a salvação, provida na íntegra pela aprovação divina do sacrifício de Jesus Cristo em nosso favor. A ênfase na autoestima estimula indivíduos muito machucados a se tornarem como os fariseus, encorajando-os a mergulhar em si mesmos e a procurar a edificação pessoal, em vez de se voltarem de si mesmos para Deus e procurarem edificar toda a igreja. Eles se concentram em si mesmos, em vez de se afastarem de si mesmos e “avança[rem] para as [coisas] que estão diante [deles]” (Fp 3.13).
Não estou pedindo uma abordagem fácil, superficial ou rasa.
Creio no tratamento da dor interior, e acredito que as pessoas podem mudar de verdade, mas isso só acontecerá quando o povo de Deus apegar-se a Ele.
Deus quer que a igreja esteja totalmente envolvida em Sua glória, Sua justiça e Seu Reino. Então, e só então (quando o foco principal estiver longe de nós mesmos), a dor e os anseios internos serão dissipados. Olhar para si mesmo, mesmo com as boas intenções de romper camadas de problemas, não alcançará a libertação e a alegria desejadas pelas pessoas. Apenas revelará os níveis mais profundos ainda não ultrapassados — um processo que, à semelhança do gêmeo secular, a psicanálise, pode facilmente consumir a vida inteira.
De certa forma, Woody Allen, que passou a maior parte de sua vida adulta na psicanálise, disse isso melhor em seu filme de 1973: O dorminhoco. No filme, Allen tem o corpo congelado por duzentos anos até a descoberta da cura para sua doença. Ao acordar, Allen é informado de que esteve congelado durante duzentos anos. Ele responde (ao pensar nos anos que se passaram): “Eu estava em tratamento de psicanálise. Se ao menos eu o tivesse frequentado todo esse tempo, já estaria quase curado”.
(O texto acima foi extraído do livro "PsicoBaboseira: O Fracasso da Psicologia Moderna e a Alternativa Bíblica" de Richard Ganz. Você pode comprar o livro aqui.
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