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O Evangelho Já Não é Suficiente para os Cristãos Negros?

Foto do escritor: Darrell B. HarrisonDarrell B. Harrison

Por Darrell B. Harrison


Localizada em uma das ruas mais históricas dos Estados Unidos, especialmente para os negros americanos, a Auburn Avenue, no centro de Atlanta, encontra-se a venerável Big Bethel AME Church.


“Big Bethel”, como é carinhosamente e reverentemente conhecida, foi fundada em 1847, o mesmo ano em que o educador e abolicionista Frederick Douglass começou a publicar seu jornal anti-escravidão The North Star, e o escravo Dred Scott entrou com um processo no Tribunal de Segunda Instância de St. Louis, alegando que sua residência temporária em um território livre deveria tê-lo tornado um homem livre.

Isso não aconteceu.


Mas, eu divago.


Por toda a sua notoriedade como a mais antiga congregação predominantemente negra em Atlanta, a Big Bethel é igualmente conhecida, se não mais, por uma simples mensagem de duas palavras que, por quase um século, tem estado conspicuamente afixada no topo da torre da igreja contra o pano de fundo de um horizonte de Atlanta em constante expansão.


Ela diz: Jesus Salva.


A mensagem de que “Jesus Salva” tem sido o chamado claro para os cristãos negros na América desde sua primeira exposição ao cristianismo no início dos anos 1600, quando os primeiros escravos africanos chegaram a Jamestown, Virgínia. É essa fé inabalável, e talvez incompreensível, no poder redentor do evangelho que foi o ímpeto para o poeta escravo Jupiter Hammon, o primeiro negro na América a publicar uma obra literária (1760) e alguém que viveu toda sua vida como escravo, a atestar:


“Agora reconheço que a liberdade é uma grande coisa, e vale a pena buscar, se pudermos obtê-la honestamente, e com nossa boa conduta, prevalecer sobre nossos senhores para nos libertarem; embora, da minha parte, eu não deseje ser livre, ficaria feliz se outros, especialmente os jovens negros, fossem livres. Pois muitos de nós, que crescemos escravos, e sempre tivemos senhores para cuidar de nós, dificilmente saberíamos como cuidar de nós mesmos; e pode ser mais confortável para nós permanecermos como estamos. Que a liberdade é uma grande coisa, podemos saber por nossos próprios sentimentos, e podemos julgar isso pela conduta dos brancos, na última guerra, quanto dinheiro foi gasto e quantas vidas foram perdidas para defender sua liberdade. Devo dizer que esperava que Deus abrisse os olhos deles, quando estavam tão engajados pela liberdade, para pensar no estado dos pobres negros e ter pena de nós. Ele fez isso em certa medida e nos levantou muitos amigos, pelos quais temos motivos para agradecer e esperar em sua misericórdia. O que pode ser feito a mais, só ele sabe, pois conhecidos de Deus são todos os seus caminhos desde o início. Mas isso, meus queridos irmãos, de modo algum é a maior coisa com que devemos nos preocupar.


Conseguir nossa liberdade neste mundo não é nada comparado a ter a liberdade dos filhos de Deus.

A Bíblia nos diz que somos todos, por natureza, pecadores; que somos escravos do pecado e de Satanás; e que, a menos que sejamos convertidos ou nascidos de novo, seremos miseráveis para sempre. Cristo diz que, se um homem não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus, e todos que não veem o reino de Deus estão no reino das trevas.” – Um Discurso aos Negros do Estado de Nova York, 1787


Ao refletir nessas palavras de Hammon, a pergunta naturalmente se torna: o que poderia ter possuído um homem, o qual cada respiração de sua existência nesta terra foi como sendo propriedade de outra pessoa, a ver além de sua posição nessa vida para algo que era de importância infinitamente maior para ele?


Acredito que essa questão seja relevante para o contexto atual na América, já que muitos cristãos negros começaram a defender uma teologia puramente ativista nascida de uma soteriologia que propõe a ideia de que o mandato preeminente, senão único, do evangelho é a busca da “justiça social”, cuja manifestação é evidenciada principalmente pela concretização de realidades como o igualitarismo sócio-étnico e a erradicação de todo sofrimento e opressão humanos, particularmente daqueles cuja melanina é de um tom preto ou marrom.


Existem muitos cristãos negros hoje que, acredite você ou não, afirmariam que, coletivamente, a situação dos negros na América do século 21 é equivalente à de Jupiter Hammon no século 18. Isso, acredito, é porque palavras como escravidão e opressão são aplicadas de forma tão leviana e, ouso dizer, ignorante hoje em dia, a ponto de lhes tirar o significado histórico em relação às injustiças legítimas que foram perpetradas contra os portadores da imagem de Deus de pele preta e marrom (Gen. 1:27; Atos 17:26).


Mas, correndo o risco de incorrer na ira de muitos que lerão este post no blog, particularmente daqueles que se autodenominam “guerreiros da justiça social” (GJS) ou “trabalhadores pela raça”, nem toda injustiça percebida envolvendo negros pode ser atribuída ao ‘racismo’ (outro termo que, como escravidão e opressão, está perdendo sua força devido ao uso excessivo). No entanto, isso é secundário à questão de como os negros que professam ser cristãos devem responder quando a injustiça – definida objetivamente nas Escrituras – de fato, ergue sua cabeça feia e pecaminosa (Lev. 19:15; Jer. 22:13).


Desde a fundação em 1773 da Primeira Igreja Batista Africana em Savannah, Geórgia – a igreja negra mais antiga de toda a América do Norte – a igreja tem servido tanto como a alma quanto o coração da consciência social e política para os cristãos negros na América. Organizadas tanto política quanto espiritualmente, as igrejas negras não apenas se dedicavam aos ensinamentos do cristianismo, mas eram fielmente confiadas por seus membros para, sob o preceito bíblico do imago Dei (Gen. 1:27), abordar questões socioeconômicas específicas que os impactavam diretamente.


Esse vínculo inquebrável e duradouro com a igreja é transmitido de maneira bastante sóbria pelo autor Richard Nathaniel Wright, que, em seu livro 12 Million Black Voices: A Folk History of the Negro in the United States, declarou que: “É apenas quando estamos dentro das paredes de nossas igrejas que somos totalmente nós mesmos, e que mantemos viva a sensação de nossas próprias personalidades em relação ao mundo total em que vivemos.”

Curiosamente, se não ironicamente, a formação desses laços entre negros e a igreja foi necessária, em grande medida, pela hipocrisia de pessoas que não conseguiram viver de acordo com seu próprio ethos declarado sobre o tratamento equitativo de seus semelhantes portadores da imagem de Deus. Por exemplo, em 21 de outubro de 1774, o Congresso Continental, em um discurso ao povo da Grã-Bretanha, declarou que:


“Quando uma nação, levada à grandeza pela mão da liberdade e possuidora de toda a glória que o heroísmo, a munificência e a humanidade podem conceder, desce à tarefa ingrata de forjar correntes para seus amigos e filhos, e, em vez de dar apoio à liberdade, torna-se defensora da escravidão e da opressão, há razão para suspeitar que ela deixou de ser virtuosa ou é extremamente negligente na nomeação de seus governantes.”


E ainda assim, menos de vinte anos depois dessas palavras serem proferidas, o primeiro Ato de Escravos Fugitivos foi promulgado, proibindo quaisquer esforços para abrigar ou impedir a captura de escravos. Foram necessárias outras sete décadas até que a escravidão fosse oficialmente, embora não totalmente, abolida pela Proclamação de Emancipação do presidente Abraham Lincoln, apenas para ser substituída pelo sistema de servidão por dívidas igualmente injusto e desumano no sul pós-Reconstrução.


Mas, por todas as influências que podem ou não ter sido fatores significativos para as igrejas negras se tornarem os bastiões de ativismo social e político que foram (e são), fundamental para essa existência foi a proclamação do evangelho salvador de Jesus Cristo (Atos 4:12).


A verdade é que não existe evangelho e, inversamente, não existe igreja – independentemente da composição étnica ou afiliação denominacional – à parte da mensagem transformadora de vidas de que “Jesus Salva”.

É essa mensagem que, temo, está se perdendo à medida que um número crescente de cristãos negros se convence de que sua lealdade primária é a um legado eclesiástico que está enraizado em uma missiologia sócio-étnica que enfatiza a reforma social à parte da transformação espiritual.


É essa preocupação que serviu de ímpeto para minha colocação da questão que é o título deste post no blog; um fardo que é ecoado nas palavras do estimado teólogo D. Martyn Lloyd-Jones que, em sua excelente obra Pregação e Pregadores, comentou que:


“As pessoas, dizem eles...estão interessadas em política, estão interessadas em condições sociais, estão interessadas nas várias injustiças das quais as pessoas sofrem em várias partes do mundo...então argumentam que se você realmente quer influenciar as pessoas na direção cristã, não deve apenas falar de política e tratar das condições sociais em discurso, deve tomar uma parte ativa nelas...Mas não tenho hesitação em afirmar que o que foi em grande parte responsável por esvaziar as igrejas na Grã-Bretanha foi essa pregação do ‘evangelho social’…Tal pregação foi mais responsável por isso do que qualquer outra coisa...Essa preocupação com as condições sociais e políticas, e com a felicidade do indivíduo e assim por diante, sempre foi tratada da maneira mais eficaz quando houve reforma e avivamento e verdadeira pregação na igreja cristã... Meu argumento é que quando a Igreja desempenha sua tarefa principal essas outras coisas invariavelmente resultam disso.”


Correndo o risco de parecer irônico, deixe-me lembrá-lo de que as palavras “Você deve nascer de novo” ainda estão na Bíblia. Abra a sua em Jo. 3:7 e você encontrará essas palavras lá (talvez em letras vermelhas). Aponto isso porque o paradigma de moralidade da maioria das pessoas é antropológico, não teológico. Ou seja, comportamental, não espiritual. É por isso que não conseguimos ver a futilidade de tentar nos consertar (Jo. 3:19).

Um evangelho centrado na justiça social o levará apenas até certo ponto (Mc. 8:36). Como podemos nós, para quem o evangelho foi suficiente – e necessário – para nos mudar, esperar que algo além do evangelho mude outra pessoa? Acreditar que uma sociedade inerentemente pecaminosa possui tanto a capacidade quanto a habilidade de trazer o tipo de equidade social tão desejada pelos justicistas sociais contemporâneos é tanto irrealista quanto ingênuo. Jesus deixou isso claro para os fariseus quando lhes disse:


“Fariseu cego, limpa primeiro o interior do copo, para que também o seu exterior fique limpo! “ – Mateus 23:26 (ARA)


Como cristãos, devemos estar ocupados com a tarefa de mudar não apenas mentes, mas corações (Ez. 11:19-20). Dito isso, no entanto, a pergunta permanece: O evangelho no qual você professa acreditar será suficiente para você se e quando esses corações e mentes não mudarem? Nem todos eles mudarão, você sabe disso?


O que, então, você fará?


Qual será sua resposta?


Será a de um homem como Jupiter Hammon que, embora escravo durante toda a vida, manteve seus “olhos no prêmio”? Ou será mais alinhada com Malcolm X, exigindo seus direitos “por qualquer meio necessário”?


Essas perguntas não pretendem sugerir o “fatalismo religioso” contra o qual W.E.B. DuBois advertiu em sua obra seminal ‘The Souls of Black Folk’, mas, em vez disso, são destinadas a nos reorientar para a verdade fundamental que deu origem em primeiro lugar a locais de culto para negros tão reverenciados como a Igreja Big Bethel em Atlanta, e a Igreja Bethel A.M.E. em Indianápolis, e a “Mother Bethel” A.M.E. Church na Filadélfia – a verdade de que “Jesus Salva”.


Essa é a essência do evangelho e a mensagem da igreja.

Fora isso, tudo o mais é secundário.


Tudo.


Soli Deo Gloria!


Darrell



 

© Darrell B. Harrison, 2017. Traduzido por Jônatas Cunha.

Publicado com permissão. Texto original encontrado em: https://g3min.org/is-the-gospel-no-longer-enough-for-black-christians/

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