top of page

Fundamentos Bíblicos Para a Disciplina Eclesiástica

Foto do escritor: Isaias LobãoIsaias Lobão

Por Isaias Lobão


Introdução


Um Retrato da Disciplina na Igreja


A história de Yasmin ilustra um caso de disciplina eclesiástica mal-conduzida. Aos 17 anos, Yasmin era uma adolescente ativa na igreja, evolvida em várias atividades e compromissos. No entanto, tudo mudou devido a uma fofoca surgida entre os adolescentes. Espalhou-se que Yasmin havia ultrapassado os limites com seu namorado, Diego. Embora isso não fosse verdade, Yasmin enfrentou um longo e desgastante processo de disciplina. A fofoca, possivelmente iniciada pela neta de um presbítero da igreja, nunca foi devidamente investigada. No fim, Yasmin foi punida com um afastamento de seis meses da comunhão. Diego, revoltado com a situação, decidiu sair da igreja.


Quando surgem os problemas


O caso de Yasmin reflete um problema comum em muitas igrejas: as pessoas se afastam não por diferenças doutrinárias, mas pela forma como a igreja é governada e como a disciplina é aplicada.


Quando os problemas surgem, disputas não são resolvidas pacificamente, e a supervisão e aconselhamento regulares não são realizados, o ambiente da igreja se deteriora.

Discussões e divisões tornam-se comuns. Tudo isso ocorre porque o modelo bíblico de governo e disciplina da igreja é frequentemente ignorado, levando a conflitos e desentendimentos que poderiam ser evitados com uma liderança mais adequada e justa.


A disciplina requer uma comunidade estável e envolvimento amoroso no dia a dia dos membros. A falta de enraizamento e a mobilidade social nas igrejas modernas enfraquecem essa prática, pois os crentes mudam facilmente de igreja para evitar a disciplina.


Marcas da verdadeira igreja


O termo Igreja (Eclésia) vem do grego clássico e significa assembleia, multidão, ajuntamento popular. Os tradutores da Bíblia passaram a usar esta palavra com um sentido religioso, para designar uma assembleia ou reunião de pessoal que se congregavam para prestar culto a Deus. A igreja foi estabelecida por Deus para ser instrumento de proclamação ao mundo da mensagem de salvação em Cristo e agência de ensino e edificação dos que, convertidos, tornam-se seus membros.


Os reformadores definiram as três marcas da Igreja verdadeira: A pregação fiel das Escrituras, administração correta das ordenanças (Batismo e Ceia do Senhor) e a prática da disciplina.


Estas três marcas são mencionadas na Confissão Belga, um dos Símbolos de Fé adotados por diversas igrejas reformadas: “As marcas para conhecer a verdadeira igreja são estas: ela mantém a pura pregação do Evangelho, a pura administração dos sacramentos como Cristo os instituiu e o exercício da disciplina eclesiástica para castigar os pecados”.


Como bem resumiu o professor Valdeci Santos :


Aquele que ordena a disciplina na igreja é o mesmo que estabelece o padrão a ser seguido no exercício da mesma. Esse padrão consiste primeiramente em amor paternal (Hb 12.4-13). É certo que o mundo vê a disciplina como expressão de ira e hostilidade, mas as Escrituras mostram que a disciplina de Deus é um exercício do seu amor por seus filhos.


A Confissão de Fé de Westminster trata da disciplina eclesiástica no capítulo 30, parágrafo terceiro. Segundo o texto confessional, a disciplina é necessária para chamar a atenção dos irmãos ofensores, para impedir a prática de ofensas semelhantes, para purificação da igreja, para honrar Cristo e o Evangelho e para evitar o derramamento da ira de Deus sobre o povo de Deus.


Os problemas que requerem disciplina da igreja

Primeiro, são apresentados os princípios e depois breves comentários, partindo do seguinte pressuposto: Devemos lidar com qualquer pessoa que se associe a igreja e que tenha professado a fé e esteja consciente e rebeldemente desobedecendo os claros mandamentos das Escrituras Sagradas. Os estatutos de uma igreja explicitam que, ao se juntar a igreja, você está se submetendo ao processo de disciplina.


Deve-se garantir que a pessoa pecadora tenha compreendido as implicações do evangelho. Às vezes, o problema é que a pessoa não se converteu genuinamente.


A disciplina é aplicada à pessoa que desobedece aos comandos claros das Escrituras. A Bíblia registra casos de atos divinamente ordenados de disciplina dentro da comunidade de Israel, às vezes por intervenção divina através da natureza, (Nm 16, esp. vv. 31-35) e no incidente Nadabe e Abiú (Lv 10), e às vezes através da instrumentalidade humana, como na idolatria do Bezerro de Ouro (Êx 32, esp. vv. 25- 29,35).


Violações dos mandamentos morais de Deus (1 Co. 5:10-11; 6:9-10; 2 Co. 6:14-7:1; Gl. 5:19-21; Ef. 5:3-5). Pecados relacionais não resolvidos, como fofocas, calúnias, raiva e discurso abusivo (Mt. 18:15-20; Ef. 4:25-31; Gl. 5:19-21. Conduta desordeira e recusa ao trabalho (2 Ts. 3:6-15; 1 Tm. 5:8).


A Bíblia diz que a disciplina deve ser aplicada contra os que causam dissensão e divisão (Tt 2.15-3.11). Os que ensinam doutrinas falsas devem ser disciplinados, bem como os que as praticam. A Bíblia ensina em Rm 16.17-20 que a igreja deve afastar os que causam divisões e escândalos, em desacordo com a doutrina.


A disciplina deve ser aplicada com cautela e divulgada apenas quando necessário. Em 1 Timóteo 5:19-22, aprendemos que as acusações precisam ser fundamentadas e não podem ser aceitas de maneira irresponsável. O propósito principal da disciplina é buscar o arrependimento da pessoa disciplinada. Dois textos bíblicos ilustram esse ponto: o primeiro é 2 Tessalonicenses 3:6-15, e o segundo, 2 Timóteo 2:22-26.


Este princípio é aplicado nas famílias. Se os pais não disciplinam uma criança desafiadora, muito em breve as outras crianças aprendem que não há consequências se desobedecerem a seus pais. O pecado da primeira criança se espalha para os outros. A mesma coisa acontece em uma cultura. Se o governo não aplicar as leis, o país inteiro logo se transforma em anarquia.


O procedimento para disciplina da igreja


O procedimento para a disciplina eclesiástica está claramente delineado em Mateus 18:15-17. Este processo inclui várias etapas progressivas, começando com uma abordagem privada e escalando para uma discussão mais ampla se necessário. Mas surge a questão: é possível pular etapas nesse processo? Em casos de faltas publicamente notórias, o conselho da igreja pode considerar apropriado avançar diretamente para o terceiro passo, chamando o indivíduo para uma reunião formal do conselho, a fim de tratar o assunto de maneira mais direta e eficaz.


O primeiro passo é encontrar-se pessoalmente com a pessoa. O verso 15 afirma “se o seu irmão pecar contra você, vá e repreenda-o em particular. Se ele ouvir, você ganhou o seu irmão” (Nova Almeida Atualizada). Tudo isso em humildade, amor e em oração, com o desejo de fornecer ajuda pessoal, prática e pastoral. O objetivo de tal visita é conquistar a pessoa, restaurá-la e demonstrar o erro de seus caminhos.


Ainda vivemos no mundo, mas não somos mais do mundo (João 17:15-19). Como novas criaturas em Cristo, a igreja agora o representa para o mundo. Assim, é essencial que lidemos com o pecado entre nós.


Se a pessoa se recusa ouvir a admoestação, então deve-se passar para o segundo passo. Um ou dois outros irmãos devem acompanhar a próxima visita. Mais uma vez, estes devem ser membros da igreja que conhecem bem a pessoa, que estiveram perto dele ou dela, que são espiritualmente maduros. Estes podem ser outros que sabem do problema ou podem incluir líderes da igreja. O objetivo é restaurar o pecador.


Se ainda não há sinal de arrependimento, mas um endurecimento teimoso do coração, então o terceiro passo deve ser dado. O processo disciplinar é instaurado pelos presbíteros da igreja, que devem empregar esforços para corrigir a falta pastoralmente, e verificar se o delator cumpriu os passos determinados em Mt 18.15-17. Eles fazem uma profunda análise do caso e verifica se o conflito pode ser resolvido por meios suasórios, ou seja, os meios legítimos e encontrar uma solução sem que seja necessária uma demanda ou processo regular.


As Escrituras destacam que os líderes da igreja, que possuem autoridade sobre a congregação conforme Hebreus 13:17 e 1 Pedro 5:3, devem administrar a disciplina. Antes de tornar o pecado conhecido à igreja, é essencial que os presbíteros tentem contatar o infrator, alertando-o de que seu pecado será anunciado publicamente em uma data determinada, caso não haja arrependimento até lá. Se o indivíduo alegar arrependimento, surge a questão: seria necessário um período de observação para verificar a sinceridade do seu arrependimento? A prudência sugere que, mesmo após a declaração de arrependimento, um tempo de acompanhamento disciplinar pode ser útil para confirmar a genuinidade e a profundidade da mudança de comportamento.


Se o pecado tem que ser tornado público, a igreja deve ser instruída em como se relacionar com a pessoa pecadora. Os membros da igreja não devem mais comunhão com a pessoa como se não houvesse problema. A Bíblia afirma que nem mesmo deve-se comer com tal pessoa (1 Co 5:11). Entretanto, a Bíblia diz: “contudo, não o tratem como inimigo, mas admoestem-no como irmão" (2 Ts 3:15, Nova Almeida Atualizada).


Em outras palavras, todo contato não é proibido, mas não devemos nos relacionar em um nível normal, de amizade que ignora o pecado da pessoa. Qualquer contato deve comunicar: "Nós te amamos e queremos você de volta na comunhão da igreja, mas não podemos tolerar o que você está fazendo e não podemos desfrutar de comunhão juntos até que você realmente se arrependa".


Quando o pecado abertamente conhecido de um membro está prejudicando seriamente o testemunho de uma igreja, medidas rápidas são necessárias. A remoção pode se referir tanto ao pecado quanto ao membro. Em casos graves, onde a integridade da igreja está em risco, pode ser necessária a excomunhão do membro. Este processo geralmente envolve um procedimento disciplinar onde, inicialmente, tenta-se o arrependimento e a reconciliação. Se essas tentativas falham e o membro persiste no pecado sem sinais de arrependimento, a excomunhão pode ser aplicada para preservar a saúde e a santidade da comunidade.


Infelizmente, é uma realidade triste que alguns indivíduos escolham seu pecado em detrimento de seu amor por Cristo e não se arrependam. Muitas vezes, essas pessoas podem buscar admissão em outra igreja, ignorando a disciplina anterior. É crucial que as igrejas se comuniquem entre si para evitar acolher membros que estão fugindo da disciplina legítima de outra congregação, pois isso pode minar o processo de arrependimento e correção.


Por outro lado, aqueles que se arrependem verdadeiramente demonstram "tristeza segundo Deus" que leva à "salvação sem remorso", conforme descrito em 2 Coríntios 7:8-10. O arrependimento autêntico também pode incluir ações de restituição, se apropriado, como sugerido em Filemom 18-19. A mudança genuína deve ser evidenciada por atos que refletem o arrependimento, conforme Atos 26:20. Portanto, é fundamental que a igreja monitore e apoie o processo de recuperação e transformação do indivíduo arrependido. Se a pessoa expressa arrependimento genuíno, então a igreja deve ser informada e a pessoa deve ser perdoada e recebida de volta à comunhão (2 Co 2:8). Claro, deve haver um tempo de testes antes que uma pessoa arrependida seja colocada em cargos de ministério ou liderança. Além disso, o processo de restauração deve incluir o discipulado para ajudar a pessoa a crescer e evitar o pecado no futuro.


Conclusão


O objetivo na disciplina da igreja não é a vingança ou a punição para expulsá-las da igreja, mas restaurar o faltoso. Em Gálatas 6:1, A Bíblia diz: “Irmãos, se alguém for vencido por algum pecado, vocês que são guiados pelo Espírito devem, com mansidão, ajudá-lo a voltar ao caminho certo. E cada um cuide para não ser tentado" (NVT).


Alguns perguntarão: "Mas e se não funcionar?" A resposta é, precisamos ser obedientes a Deus e deixar os resultados para Ele. Não há garantia bíblica de que funcionará o tempo todo. Jesus disse (Mt. 18:15b), "se ele te ouvir, você ganhou seu irmão".


A igreja não é uma comunhão de pessoas sem pecado. É uma comunidade de pecadores perdoados que, pela graça de Deus, estão em busca de uma vida de santidade e obediência ao nosso Senhor. Não ousamos cair no orgulho espiritual pensando que somos melhores do que um membro que caiu no pecado. Paulo diz que nossa resposta ao pecado em uma igreja deve ser lamentar (1 Co 5:2).


Mas se não lidarmos com aqueles que se recusam a se arrepender do pecado como o Senhor ordena, Sua igreja logo se misturará com o mundo e o sal perderá seu sabor.

Portanto, devemos praticar a disciplina na igreja.



 

Referências

LEEMAN, Jonathan. Disciplina na igreja: como a igreja protege o nome de Jesus. São Paulo: Vida Nova, 2016.

MOHLER, R Albert. Church Discipline: The Missing Mark. The Southern Baptist Journal of Theology, v. 4, n. 4, p. 12, 2000.

SANTOS, Valdeci da Silva. Disciplina na Igreja. Fides Reformata, v. 3, n. 1, 1998.

WESTMINSTER, Assembleia de. Símbolos de Fé: Contendo a Confissão de Fé, Catecismo Maior Breve. São Paulo: Cultura Cristã, 2005.

Confissão Belga. Disponível em: <http://www.monergismo.com/textos/credos/confissao_belga.htm>. Acesso em: 16 nov. 2021.

 

© Isaias Lobão, 2024.

Publicado com permissão.

Commentaires


Seja parte da Éden!

Obrigado pelo envio!

  • Ícone do Facebook Branco
  • Ícone do Instagram Branco
  • Twitter

Produzimos conteúdo evangélico e Reformado com foco devocional, prático e experimental. Tudo para te edificar na fé e aumentar sua alegria em Deus.

© 2024 Todos os direitos reservados por Grupo Éden.

ÉDEN PUBLICAÇÕES - Postal Box 7043 - SHIS QI 17 Comercio Local - Brasília, DF - 71645-970, Brazil

bottom of page