A Unidade Cristã é Fundamentada na Verdade
Por Carter Skeel
“Senhor, por favor, ajude nossa igreja a não ser dividida por causa da política…”
Esta parece ser uma oração e sentimento comum nas igrejas protestantes. É uma aspiração nobre, mas se levada à sua conclusão lógica, pode desencorajar o engajamento cívico em nome da verdade de Deus.
Considere duas interpretações diferentes desta exortação. #1: que nossas congregações venham a aderir cada vez mais à verdade de Deus, sabendo que este é o único caminho para a verdadeira unidade. #2: que os fiéis venham a entender e aceitar que outros membros possam votar e pensar de maneira diferente em questões políticas e culturais e colocar a unidade acima dessas divergências.
Na medida em que esse segundo significado é pretendido ou presumido, estamos brincando com fogo relativista, por mais óbvia e bíblica que essa linguagem possa parecer na superfície. É facilmente interpretado como implicando que as afiliações e crenças políticas de alguém se assemelham ao sabor de sorvete favorito de alguém, que não há verdade objetiva mais elevada contra a qual possam ser avaliadas ou que uma igreja nunca deveria estar no ramo de endossar posições morais. O que se segue disso é a equivalência moral: quem pode dizer qual partido ou sistema de crença tem mais capacidade de defender a justiça bíblica? Um subtexto adicional frequente seria que é mais importante que todos nos demos bem de qualquer maneira.
Esta é fundamentalmente uma mensagem do Mundo Positivo. Quando uma cultura mantém uma visão geralmente positiva da fé, as perspectivas informadas pela fé são predominantes e proeminentes na praça pública. Como resultado, tais pontos de vista tendem a ser incorporados nas plataformas de diferentes partidos políticos e visões de mundo, já que a Janela de Overton é geralmente favorável a esses pontos de vista. (Considere o outrora robusto grupo de democratas pró-vida.) Nesse contexto, ainda é perigoso manter a ficção de uma equivalência moral absoluta, mas pessoas inteligentes podem pelo menos debater os méritos de várias lealdades políticas. Mas este claramente não é o nosso contexto atual.
Essa perspectiva de “unidade acima da divisão” também evidencia um erro de categorias mais profundo. Farei um grande esforço para não relitigar o Grande Debate Keller de 2022, mas o tipo de equivalência moral que essa perspectiva promove se manifesta em apelos por uma justiça bíblica que transcenda o Time Vermelho e o Time Azul. O erro de categoria dessa perspectiva de “justiça bíblica” está em colocá-la ao lado da justiça do Time Vermelho e da justiçã do Time Azul como uma terceira alternativa melhor. Considere o que isso pressupõe: primeiro, que “justiça bíblica” não é o que os cristãos fiéis têm buscado ao desenvolver concepções de justiça durante esse tempo todo; e segundo (como corolário), que a “justiça bíblica” tem estado epistemicamente indisponível para esses cristãos, mas de alguma forma agora foi revelada a esse seleto grupo de evangélicos contemporâneos. Ao posicionar a “justiça bíblica” como uma terceira via, em vez do fim pelo qual todos nos esforçamos e o padrão pelo qual avaliamos pontos de vista concorrentes, eles impedem qualquer cristão de afirmar que o Time Vermelho ou o Time Azul está mais próximo do alvo da justiça bíblica. Na prática, essa perspectiva tende a promover ou um silêncio sobre tópicos culturais e políticos ou um foco seletivo em tópicos em que as demandas da justiça bíblica e nossas prioridades e tendências culturais parecem se alinhar amplamente.
Ao contrário desses defensores de uma terceira via, é óbvio que um time está mais próximo desse objetivo. Para esclarecer melhor: um dos dois partidos políticos presidiu alegremente e continua a defender a matança de milhões de seres humanos feitos à imagem de Deus. O aborto não é a única questão política importante para os cristãos, é claro, mas deveria ser quase preto no branco para o cristão fiel. (Sem mencionar que existem inúmeras outras questões nas quais o Time Vermelho [do partido conservador republicano], apesar de suas múltiplas falhas, está muito mais próximo do alvo.) Se você é um cristão que vota nos democratas e/ou tem opiniões políticas progressistas, você deve a seus companheiros cristãos uma justificativa ponderada para essa escolha, em vez de simplesmente afirmar que os cristãos transcendem as divisões políticas.
Essa é uma justificativa difícil de elaborar. Casos como este elucidam a falsa unidade que a visão de “unidade acima da divisão” defende. O membro pró-escolha (a favor do aborto) que permanece firme em sua visão representa um desafio quase impossível para uma igreja com esses compromissos. Com base em que esse membro pode ser reprovado ou corrigido?
Nesses casos, a visão de “unidade acima da divisão” incentiva o silêncio e a passividade.
Qualquer posicionamento moral poderia comprometer a unidade da igreja; portanto, nenhum deve ser tomado. Se for permitido que tal perspectiva predomine, a confiança no poder e na eficácia da verdade de Deus – especificamente que ela tem coisas vitais a dizer sobre questões culturais e políticas contemporâneas – pode dissolver. Pior ainda, isso evidencia falta de fé no poder de Deus para efetuar a verdadeira unidade entre Seu povo. Ela tenta substituir a coisa real por uma unidade artificial: a unidade perfeita de Cristo que transcende todas as diferenças não diminuindo-as, mas realizando a conformidade com Cristo e sua palavra pelo poder do Espírito Santo. O Apóstolo Paulo chega a dizer que “é necessário que haja divergências entre vocês, para que sejam conhecidos quais dentre vocês são aprovados” (1 Co 11:19 NVI, grifo do autor) e que são precisamente aqueles que agem “em desacordo com a doutrina que aprendestes” que causam divisões na igreja (Rm 16:17 ARA). A verdadeira unidade bíblica é sempre unidade na verdade.
Isso não quer dizer que temos todas as respostas, é claro. Mas, ao reforçar que a verdadeira unidade só virá à medida que aderirmos cada vez mais à verdade de Deus - e, realisticamente, não totalmente deste lado da glória - uma igreja encoraja a discussão sobre o que essa verdade implica para o engajamento cívico fiel, em vez de silenciar tal discussão em nome da unidade e, assim, permitindo o relativismo moral. Essa abordagem encoraja a igreja a falar com ousadia sobre questões em que a verdade de Deus é clara ou se aplica claramente. Devemos ser exuberantes em nossa celebração de algo como a decisão de Dobbs, por exemplo; um corte de impostos ou projeto de lei de estímulo econômico, talvez não.
A visão da terceira via, “unidade acima da divisão”, é atraente porque o engajamento cultural é complicado. A ilusão de mãos limpas é mais facilmente tolerada do que a ideia de que podemos ter defendido uma causa imoral (ou, para ser mais cínico, do que o risco de perder a credibilidade com seus pares descrentes). Além disso, imagino que muitas igrejas tenham medo de se associar a outras igrejas que levam o envolvimento cultural e político longe demais. No entanto, em tudo isso, há uma certa ironia para os protestantes – aqueles que romperam com a Igreja Católica Romana por questões de verdade – buscando uma unidade superficial às custas de proclamar corajosamente a verdade. Vamos falhar e ficar aquém, como sempre o fazemos. Mas isso não é motivo para evitar a briga.
“Senhor, por favor, ajude nossa igreja a aderir cada vez mais à sua verdade divina…”
(Esse texto de Carter Skeel foi publicado originalmente em inglês no AmericanReformer.org e traduzido com permissão. Você pode acessar o texto original no site do portal American Reformer aqui.)
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