top of page

Como Tragédias Cooperam para o Bem?

Foto do escritor: Thomas WatsonThomas Watson

Por Thomas Watson


Não me entenda mal, eu não estou dizendo que de sua própria natureza as piores coisas são boas. Isso porque são fruto da maldição. Mas apesar de serem naturalmente más, quando a sábia soberana mão de Deus as dispõe e as santifica, elas tornam-se moralmente boas. Como os elementos, que apesar de terem qualidades contrárias, ainda assim Deus os dispôs de tal maneira que todos cooperam de maneira harmoniosa para o bem do universo. Ou como em um relógio: as engrenagens parecem mover-se contrárias umas às outras, mas todas levam adiante o movimento do relógio. Assim também são as coisas que parecem vir para cruzar o caminho do piedoso, mas pela maravilhosa providência de Deus cooperam para o seu bem. Dentre essas piores coisas, existem quatro tristes males que cooperam para o bem daqueles que amam a Deus.


O mal da aflição coopera para o bem dos piedosos.

É uma consideração que aquieta o coração, que em todas as aflições que nos sobrevêm Deus tem sua mão especial. “O Todo-Poderoso me tem afligido” (Rt. 1:21). Instrumentos não podem mexer até que Deus os comissione, nem pode um machado cortar sem que haja uma mão. Jó enxergou Deus em sua aflição. Por isso, como Agostinho observa, ele não diz “O Senhor deu e o diabo levou”, mas “O Senhor o tomou.” Seja lá quem trouxer um aflição a nós, é Deus que a envia.


Outra consideração que tranquiliza o coração é a de que as aflições cooperam para o bem. “Assim diz o Senhor, o Deus de Israel: Como a estes bons figos, assim conhecerei aos de Judá levados em cativeiro e que eu enviei deste lugar para a terra dos caldeus, para seu bem” (Jr. 24:5). O cativeiro de Judá na Babilônia foi para o seu bem. “Foi-me bom ter eu passado pela aflição” (Sl. 119:71). Esse texto, como a madeira de Moisés lançada sobre as águas amargas da aflição pode torná-las doces e adequadas para beber. As aflições para os piedosos são medicinais. Das mais venenosas drogas, Deus extrai nossa salvação. As aflições são tão necessárias quanto as ordenanças. (1 Pe. 1:6). Nenhum vaso pode ser feito de ouro sem passar pelo fogo. Assim também, é impossível que sejamos feitos em vasos de honra a menos que sejamos derretidos e refinados na fornalha da aflição. “Todas as veredas do Senhor são misericórdia e verdade” (Sl. 25:10). Como o pintor mistura cores brilhantes com escuras sombras, assim o Deus sábio mistura misericórdia com juízo.


Essas providências de aflição que parecem ser prejudiciais, são benéficas. Vamos tomar alguns exemplos da Escritura. Os irmãos de José o jogaram em um poço, depois o venderam, e por fim, ele foi lançado na prisão. No entanto, tudo isso cooperou para o seu bem. Seu abatimento abriu caminho para o seu avanço e ele foi feito o segundo homem em todo o reino. “Vós, na verdade, intentastes o mal contra mim; porém Deus o tornou em bem” (Gn. 50:20). Jacó lutou com o anjo e a fibra da coxa de Jacó foi deslocada. Isso foi triste, mas Deus o tornou em bem, pois ali ele viu a face de Deus e lá o Senhor o abençoou, “Àquele lugar chamou Jacó Peniel, pois disse: Vi a Deus face a face, e a minha vida foi salva” (Gn. 32:30). Quem não estaria disposto a ter um osso desjuntado para que pudesse ter uma visão de Deus?


O Rei Manassés foi preso em cadeias. Isso foi triste de ver – uma coroa de ouro trocada em grilhões. Mas operou para o seu bem, porque “Ele, angustiado, suplicou deveras ao Senhor, seu Deus, e muito se humilhou perante o Deus de seus pais, fez-lhe oração, e Deus se tornou favorável para com ele” (2 Cr. 33:11, 12). Ele esteve mais em dívida para com sua cadeia de ferro do que sua coroa dourada. Uma o fez orgulhoso, a outra o tornou humilde.

Jó foi um espetáculo de miséria. Ele perdeu tudo que sempre teve e abundou em feridas e úlceras. Isso foi triste, mas operou para o seu bem. Sua graça foi provada e melhorada. Deus deu testemunho dos céus de sua integridade e compensou-o por sua perda ao dá-lo duas vezes mais do que jamais teve. (Jó 13:10).


Paulo foi afligido com cegueira. Isso foi desconfortável, mas tornou-se para o seu bem. Deus abriu caminho por meio dessa cegueira para que a luz da graça brilhasse em sua alma. Foi o início de uma feliz conversão. (At. 9:6).


Como a dura neve no inverno traz as flores na primavera, como a noite introduz a estrela da manhã, assim os males da aflição produzem muito bem para aqueles que amam a Deus. Mas nós estamos prontos para questionar a verdade disso, e dizer, como Maria fez com o anjo: “Como será isto?” Portanto, eu irei mostrá-lo vários modos de como a aflição coopera para o bem.


Como ela é nosso pregador e tutor: “Ouvi a vara” (Mq. 6:9). Lutero disse que ele nunca pôde propriamente entender alguns dos Salmos até que tivesse passado por aflições.


(1). A aflição ensina o que é o pecado.


Na palavra pregada, ouvimos quão hedionda coisa é o pecado, que é tanto impuro quanto desgraçado, mas não o tememos mais do que um leão desenhado. Portanto, Deus deixa fluir a aflição e então sentimos o pecado amargo em seu fruto. Uma leito adoentado muitas vezes ensina mais do que um sermão. Podemos ver mais da cena desfigurada do pecado através do vidro da aflição. Ela nos ensina a conhecer a nós mesmos. Na prosperidade, nós somos pela maior parte estranhos de nós mesmos. Deus nos faz conhecer a aflição para que possamos conhecer melhor a nós mesmos. Vemos no tempo da aflição aquela corrupção em nossos corações que não acreditávamos estar lá. Água no vidro parece limpa, mas coloque-a no fogo e a sujeira é fervida. Na prosperidade, o homem parece ser humilde e grato, a água parece limpa. Mas coloque esse homem um pouco sobre o fogo da aflição, e a impureza é fervida e muita impaciência e incredulidade aparece. “Ah,” diz o cristão, “nunca pensei que tivesse um coração tão mal quanto agora vejo que tenho, nunca pensei que minhas corrupções estivessem tão fortes e minhas graças tão enfraquecidas”.


(2). As aflições cooperam para o bem, uma vez que são meios para fazer do coração mais reto.


Na prosperidade, o coração é apto para ser dividido (Os. 10:2). O coração agarra-se em parte a Deus, e em parte ao mundo. É como uma agulha entre duas pedras magnéticas: Deus atrai, e o mundo atrai. Agora, Deus retira o mundo para que o coração possa se agarrar a Ele em sinceridade. A correção é o ato de configurar o coração direito e reto. Como nós ás vezes colocamos uma vara torta sobre o fogo para a endireitar, Deus nos segura sobre o fogo da aflição para nos tornar direitos e retos. Ó, quão bom é, quando o pecado tendo inclinado a alma para longe de Deus, que a aflição possa endireitá-la novamente!


(3). As aflições cooperam para o bem uma vez que nos conformam a Cristo.


A vara de Deus é um pincel para desenhar a imagem de Cristo mais viva em nós. É bom que haja simetria e proporção entre o Cabeça e os membros. Seríamos partes do corpo místico de Cristo, e não seríamos como Ele? Como Calvino afirmou, sua vida foi uma série de sofrimentos, “homem de dores e que sabe o que é padecer” (Is. 53:3). Ele chorou e sangrou. Sua Cabeça foi coroada de espinhos e pensamos que seremos coroados com rosas? É bom sermos como Cristo, ainda que seja pelos sofrimentos. Jesus Cristo bebeu um cálice amargo que o fez suar gotas de sangue ao pensar nele. E, apesar de verdadeiro que Ele bebeu o veneno no cálice (a ira de Deus), ainda existe um pouco de absinto deixado no copo, que os santos devem beber. No entanto, aqui está a diferença entre os sofrimentos de Cristo e os nossos: os dEle foram para satisfazer e os nossos são apenas para sofrer.


(4). Aflições cooperam para o bem dos piedosos, uma vez que são destrutivas para o pecado.


O pecado é a mãe, a aflição é a filha. E a filha ajuda a destruir a mãe. O pecado é como a árvore que dá lugar ao verme e a aflição é o verme que consome a árvore. Existe muita corrupção no melhor coração e gradualmente a aflição a retira. Assim como o fogo tira a impureza do ouro, “este será todo o fruto de se haver tirado seu pecado” (Is. 27:9). Qual o problema de ter mais da raspadeira, se isso significa ter menos mofo? Aflições nada arrancam de nós, a não ser a imundícia do pecado.


Se um médico disser a um paciente, “Seu corpo está desestabilizado e cheio de maus humores, que precisam ser removidos, ou você morrerá. Mas eu vou prescrever um remédio para você que apesar de te fazer passar mal, vai remover de você os restos de sua doença e salvar sua vida.” Não seria isso algo bom para o paciente?

Aflições são o remédio que Deus usa para remover nossas doenças espirituais. Elas curam o tímpano do orgulho, a febre da luxúria, e o inchaço da cobiça. Elas não cooperam para o bem?

(5). Aflições cooperam para o bem, uma vez que são meios de soltar nossos corações do apego ao mundo.


Quando você cava e retira terra ao redor da raiz de uma árvore, é para soltar a árvore da terra. Assim também, Deus cava e retira nossos confortos terrenos para soltar nossos corações da terra. Com toda flor, também cresce um espinho. Deus quer fazer do mundo como um dente de leite solto, que ao ser puxado não nos incomoda tanto. Não é algo bom ser preparado? Até os santos mais experientes precisam disso. Por que Deus quebra o encanamento condutor senão para fazer com que possamos ir a Ele, em quem estão “Todas as [nossas] fontes” (Sl. 87:7).


(6). Aflições cooperam para o bem, uma vez que abrem caminho para o consolo.

“O vale de Acor por porta de esperança” (Os. 2:15) Acor significa tribulação. Deus adoça a dor exterior com a paz interior. “A vossa tristeza se converterá em alegria” (Jo. 16:20). Aqui está a água transformada em vinho. Depois de uma pílula amarga, Deus dá açúcar. Paulo tinha suas canções de prisão. A vara de Deus tem mel em sua ponta. Santos em aflição já tiveram tão doces arrebatamentos de alegria, que pensaram que estavam nas fronteiras da Canaã celestial.


(7). Aflições cooperam para o bem, uma vez que nos exaltam.

“Que é o homem, para que tanto o estimes, e ponhas nele o teu cuidado, e cada manhã o visites, e cada momento o ponhas à prova?” (Jó 7:17-18). Deus nos exalta pela aflição em três sentidos.


(1°.) No fato de que Ele se submete a descer tão baixo ao ponto de nos notar. É uma honra que Deus se importe conosco, pó e cinzas. É uma exaltação de nossa situação, que Deus considere que sejamos dignos de ser moídos. O ferir de Deus não é falta de respeito: “Por que haveis de ainda ser feridos, visto que continuais em rebeldia?” (Is. 1:5). Se você persistir no pecado, faça sua vontade, trilhe seu caminho de pecado até ao inferno. (2º) Aflições também nos exaltam porque são insígnios de glória, sinais de filiação. “É para disciplina que perseverais (Deus vos trata como filhos); pois que filho há que o pai não corrige?” (Hb. 12:7). Toda marca da vara é um distintivo de honra. (3º) Aflições tendem a exaltar os santos, uma vez que os fazem renomados no mundo. Soldados nunca foram tão admirados por suas vitórias, como os santos o são por suas aflições. O zelo e a constância dos mártires em suas tribulações os fizeram famosos para a posteridade. Quão eminente foi a paciência de Jó! Deus registra seu nome: “Tendes ouvido da paciência de Jó” (Tg. 5:11). Jó, O Sofredor foi mais renomado do que Alexandre, o Grande.


(8.) Aflições cooperam para o bem, uma vez que são meios de nos tornar felizes.


“Bem-aventurado é o homem a quem Deus disciplina” (Jó 5:17). Qual político ou moralista jamais associou a felicidade à cruz? Jó o fez. “Bem-aventurado é o homem a quem Deus disciplina”.


Pode ser questionado, “Como as aflições nos fazem felizes?” Nós respondemos que, uma vez santificadas, elas nos trazem para mais perto de Deus. A lua cheia é a mais distante do sol, assim são muitos que estão distantes de Deus na lua cheia da prosperidade. As aflições os trazem para mais perto de Deus. O ímã da misericórdia não nos atrai para tão perto de Deus quanto as cordas da aflição. Quando Absalão meteu fogo na cevada de Joabe, então ele veio correndo para Absalão (2 Sm. 14:30). Quando Deus mete fogo em nossos confortos terrenos, então nós corremos para Ele e fazemos nossas pazes. Também, quando o pródigo foi cutucado com a necessidade, então ele retornou para a casa de seu pai. (Lc. 15:13). Quando a pomba não pôde encontrar nenhum descanso para seus pés, então ela retornou para a arca. Quando Deus traz um dilúvio de aflições sobre nós, então voamos para a arca de Cristo. Portanto, a aflição nos faz felizes ao trazer-nos para perto de Deus. A fé pode usar as águas da aflição para nadar mais rapidamente em direção a Cristo.


(9). Aflições cooperam para o bem, uma vez que silenciam os ímpios.


Quão prontos eles estão para caluniar e insultar os piedosos! Dizem que servem a Deus apenas para ganho próprio. Por isso, Deus quer que Seu povo sofra tribulações por sua fé, para que Ele possa pôr um cadeado nos lábios do ímpio. Quando os ateus do mundo veêm que Deus tem um povo, que o serve não por um salário mas por amor, isso cala suas bocas. O diabo acusou Jó de hipocrisia. Disse que ele era um homem mercenário e que toda sua religião era feita de ouro e prata. “Porventura, Jó debalde teme a Deus? Acaso, não o cercaste com sebe?” Etc. “Estende, porém, a mão,” disse Deus “e toca-lhe em tudo quanto tem” (Jó 1:9-11). O diabo havia acabado de receber suas ordens e chegou quebrando a sebe de Jó. Ainda assim, Jó adorou a Deus (Jó 1:20), e professou sua fé nEle. “Ainda que ele me mate, nele esperarei” (Jó 13:15 - ACF). Isso calou o próprio diabo. Como isso faz corar a face dos ímpios: quando eles veem que o piedoso se manterá próximo de Deus na situação de sofrimento, e que quando perdem tudo, ainda se apegam à sua integridade!

(10). Aflições cooperam para o bem, uma vez que elas abrem caminho para a glória. (2 Co. 4:17).


Não que elas nos façam merecer glória. Mas, nos preparam para ela. Como arar prepara a terra para uma colheita, assim as aflições nos preparam e nos aprontam para a glória. O pintor derrama seu ouro sobre as cores escuras. Da mesma forma, Deus primeiro despeja suas cores sombrias da aflição e então derrama a cor dourada de glória. O vaso é primeiro preparado antes de ter vinho derramado sobre ele: os vasos de misericórdia são primeiro preparados com aflição, e só então o vinho da glória é inserido. Dessa maneira, vemos que as aflições não são prejudiciais, mas benéficas, para os santos. Nós não devemos olhar tanto para o mal da aflição, mas para o bem. Não tanto para o lado escuro da nuvem, quanto para a luz. O pior que Deus faz com Seus filhos é açoitá-los para dentro dos céus.


(Para ler mais sobre esse tema, veja o livro: "Tudo para o Seu Bem" de Thomas Watson).


Comments


Seja parte da Éden!

Obrigado pelo envio!

  • Ícone do Facebook Branco
  • Ícone do Instagram Branco
  • Twitter

Produzimos conteúdo evangélico e Reformado com foco devocional, prático e experimental. Tudo para te edificar na fé e aumentar sua alegria em Deus.

© 2024 Todos os direitos reservados por Grupo Éden.

ÉDEN PUBLICAÇÕES - Postal Box 7043 - SHIS QI 17 Comercio Local - Brasília, DF - 71645-970, Brazil

bottom of page