Por Brian Hedges
Pastores e presbíteros são especialmente encarregados de cuidar dos outros. Isso é evidente quando consideramos as metáforas frequentemente usadas para líderes espirituais. Por exemplo, há pelo menos três imagens implícitas advindas de palavras no discurso de Paulo para os presbíteros de Éfeso, registrado em Atos 20:25-31:
Agora sei que nenhum de vocês, entre os quais passei pregando o Reino, verá novamente a minha face. Portanto, eu declaro hoje que estou inocente do sangue de todos. Pois não deixei de proclamar a vocês toda a vontade de Deus. Cuidem de vocês mesmos e de todo o rebanho sobre o qual o Espírito Santo os designou como bispos, para pastorearem a igreja de Deus, que ele comprou com o seu próprio sangue.
Sei que, depois da minha partida, lobos ferozes penetrarão no meio de vocês e não pouparão o rebanho. E dentre vocês mesmos se levantarão homens que torcerão a verdade, a fim de atrair os discípulos. Por isso, vigiem! Lembrem-se de que durante três anos jamais cessei de advertir cada um de vocês disso, noite e dia, com lágrimas.
A mais óbvia é a palavra bispos (episkopos) no versículo 28. No mundo greco-romano, a palavra bispo era usada para designar um guardião encarregado da “função definitiva ou cargo fixo de tutela dentro de um grupo”.[1] Este termo e seus cognatos são comumente usados no Novo Testamento para descrever líderes espirituais encarregados de proteger e vigiar o povo de Deus (ver Fp 1:1; 1 Tm 3:1-2; Tt 1:7; 1 Pe 5:2).
Esta passagem também emprega a imagem do pastor enquanto Paulo exorta os anciãos para que “cuidem...de todo o rebanho” e “para pastorearem a igreja de Deus”. Enquanto pastores cuidam das ovelhas, os presbíteros devem vigiar o rebanho de Deus. A tarefa de pastoreio é abrangente; envolve liderar e alimentar, vigiar e alertar. Pastores, portanto, não são apenas para fornecer liderança espiritual e alimentar o rebanho com a verdade nutritiva da palavra de Deus, mas também para vigiar suas almas e alertá-los contra as ameaças predatórias de falsos mestres. Pedro também combina as imagens de supervisor e pastor em 1 Pedro 5:2-4, quando exorta os presbíteros: “pastoreai o rebanho de Deus que há entre vós, não por constrangimento, mas espontaneamente, como Deus quer; nem por sórdida ganância, mas de boa vontade; nem como dominadores dos que vos foram confiados, antes, tornando-vos modelos do rebanho. Ora, logo que o Supremo Pastor se manifestar, recebereis a imarcescível coroa da glória”.
Paulo também sugere uma imagem mais dominante no Antigo Testamento, o vigia, quando afirma que tendo proclamado fielmente o reino (At 20:25) e declarado todo o conselho de Deus (v 27), ele é, portanto, “inocente do sangue de todos” (v 26). Estas palavras aludem a Ezequiel 3:16-21, onde o profeta é encarregado de avisar a casa de Israel do julgamento de Deus, assim como um vigia foi encarregado de manter sentinela sobre uma cidade e alertar as pessoas adormecidas de perigos e ameaças iminentes.[2] Esta imagem seriamente ressalta a responsabilidade de um líder para com Deus pelas almas daqueles confiados à sua responsabilidade.
Hebreus 13:17 ensina a mesma coisa, desta vez dirigindo-se aos membros da igreja em vez de a líderes da igreja: “Obedecei aos vossos guias e sede submissos para com eles; pois velam por vossa alma, como quem deve prestar contas, para que façam isto com alegria e não gemendo; porque isto não aproveita a vós outros”. Juntas, essas passagens mostram a base, a responsabilidade e a motivação adequada para a vigilância pastoral.
A base para a vigilância pastoral é o apontamento pelo Espírito Santo dos presbíteros como bispos do precioso rebanho de Deus, obtido pela morte sangrenta de Cristo. A igreja é o povo querido de Deus, cuja redenção Ele comprou a um grande custo para si mesmo. Os líderes da igreja nunca devem esquecer isso.
Já vimos uma referência à prestação de contas na imagem dos vigias. Mas isso é explicitamente enfatizado em Hebreus 13:17: “pois velam por vossa alma, como quem deve prestar contas”. Pastores são sub-pastores, que prestam contas ao próprio Cristo, o “Supremo Pastor” (1 Pe 5:4) das ovelhas. Lembre-se que quando o Senhor Jesus restaurou Pedro após sua negação tripla, Ele disse: “Apascenta as minhas ovelhas” (Jo 21:17). As ovelhas são dEle. A igreja não pertence ao pastor; pertence a Cristo. Ele amou a igreja o suficiente para morrer por ela. Pastores vigiam as almas do povo de Cristo em seu nome e prestarão conta a Ele.
A motivação de um pastor para cuidar das almas dos outros não deve ser culpa ou medo; deve ser alegria. Como salienta Hebreus 13:17, os pastores devem tomar cuidado com as almas do rebanho “alegria e não gemendo; porque isto não aproveita a vós outros”. A vigilância pastoral deve ser impulsionada pela alegria que os pastores têm em ajudar os crentes a encontrar sua alegria em Cristo. Esta foi a batida constante do ministério de Paulo: “não que tenhamos domínio sobre a vossa fé, mas porque somos cooperadores de vossa alegria; porquanto, pela fé, já estais firmados” (2 Co 1:24). “Portanto, meus irmãos, amados e mui saudosos, minha alegria e coroa, sim, amados, permanecei, deste modo, firmes no Senhor” (Fp 4:1). “Pois quem é a nossa esperança, ou alegria, ou coroa em que exultamos, na presença de nosso Senhor Jesus em sua vinda? Não sois vós? Sim, vós sois realmente a nossa glória e a nossa alegria!” (1 Ts 2:19-20).
Como membros da igreja, podemos ajudar a tornar o ministério de pastores e presbíteros uma alegria, voluntariamente submetendo-nos a seus cuidados vigilantes. Na verdade, esta é uma das razões por trás do comando em Hebreus 13:17: “Obedecei aos vossos guias e sede submissos para com eles; pois velam por vossa alma, como quem deve prestar contas, para que façam isto com alegria e não gemendo; porque isto não aproveita a vós outros”. Os crentes se beneficiarão mais do ministério de seus líderes espirituais quando sua relação for caracterizada pela submissão amorosa ao seu ministério da palavra.
Esta não é, naturalmente, uma licença para abuso ou uso indevido da autoridade pastoral. A autoridade dos pastores e presbíteros é a autoridade ministerial da palavra. Os membros da Igreja são obrigados a seguir seu exemplo piedoso e submeter-se ao seu ensino bíblico. Mas a autoridade dos presbíteros é subordinada à autoridade de Cristo e é limitada pelos parâmetros das Escrituras. Enquanto os presbíteros são pastores do rebanho, eles são sub-pastores de Cristo e servos de Sua palavra.
John Owen chama a atenção para os exemplos apostólicos de cuidados pastorais tanto em Gálatas quanto em Hebreus. Em ambos os casos, a igreja corria o risco espiritual de ser seduzida para longe da simplicidade do evangelho.[3] O apóstolo “entendeu suas tentações e viu seus perigos”, escreve Owen.
“E com que sabedoria, variedade de argumentos, expostulações e reprovações despertadoras, de fato ele lida com eles! Que cuidado, ternura, compaixão e amor, realmente aparecem em todos eles! Em nada a excelência de seu espírito mais se evidenciou, do que em seu zelo e cuidado terno por eles em tal condição”.[4]
Também vemos isso em 2 Coríntios 11:2-3: “Porque zelo por vós com zelo de Deus; visto que vos tenho preparado para vos apresentar como virgem pura a um só esposo, que é Cristo. Mas receio que, assim como a serpente enganou a Eva com a sua astúcia, assim também seja corrompida a vossa mente e se aparte da simplicidade e pureza devidas a Cristo”. Estas palavras nos dão mais uma imagem, à medida que Paulo se imagina como o pai da noiva que prometeu a igreja ao seu marido, o Senhor Jesus; mas agora a noiva está vulnerável a ser seduzida longe de seu amante divino. Então ele escreve e prega para a igreja. Ele implora que eles reconheçam seu perigo. Ele exorta, encoraja e adverte-os a permanecerem fiéis a Cristo.
Isso é vigilância pastoral. Este é um exemplo para todos os ministros — todos os pastores, presbíteros, e líderes. “Neste cuidado e vigilância estão a própria vida e a alma de seu ministério”, escreve Owen. “Onde isso esteja em falta, o que mais for feito, será apenas a carcaça, a sombra dela”.[5] E é um lembrete para todos os crentes que precisamos da igreja local, com seu ministério da palavra ordenado por Deus.
[1] Ardnt, Danker, and Bauer, Greek-English Lexicon, 379. [2] Em Ezequiel 3:16-21, a palavra do Senhor chega a Ezequiel, dizendo: “Filho do homem, eu te dei por atalaia sobre a casa de Israel; da minha boca ouvirás a palavra e os avisarás da minha parte. Quando eu disser ao perverso: Certamente, morrerás, e tu não o avisares e nada disseres para o advertir do seu mau caminho, para lhe salvar a vida, esse perverso morrerá na sua iniquidade, mas o seu sangue da tua mão o requererei. Mas, se avisares o perverso, e ele não se converter da sua maldade e do seu caminho perverso, ele morrerá na sua iniquidade, mas tu salvaste a tua alma. Também quando o justo se desviar da sua justiça e fizer maldade, e eu puser diante dele um tropeço, ele morrerá; visto que não o avisaste, no seu pecado morrerá, e suas justiças que praticara não serão lembradas, mas o seu sangue da tua mão o requererei. No entanto, se tu avisares o justo, para que não peque, e ele não pecar, certamente, viverá, porque foi avisado; e tu salvaste a tua alma”. [3] Owen, Hebrews, em Works, 20:19. [4] Owen, Hebrews, em Works, 20:19. [5] Owen, Hebrews, em Works, 20:19.
(Esse texto foi extraído do livro "Vigilância: Recuperando a Disciplina Espiritual Perdida" de Brian Hedges. Você pode adquirir o livro aqui.)
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